Os sensíveis sofrem mais, mas amam mais e sonham mais.



sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Entre, a casa é sua


Entrei num lugar onde me disseram pra me sentir em casa
Não sei o que procurava, mas tinha uma necessidade enorme de encontrar algo ou alguém.

Logo de cara, comecei a vasculhar a sala
procurando pistas, dicas, removi móveis do lugar
Levantei o tapete, desmontei o armário, o lustre

Bati no teto tentando ecoar algo oco
Quebrei a parede tijolo por tijolo
Tirei o piso, taco por taco
Desmontei a TV, o equipamento de som
Rasguei cada almofada do sofá

Concluí que procurava no lugar errado
Mudei de cômodo e reiniciei toda minha bagunça
E um armário veio literalmente abaixo sobre minha cabeça

Desconfiado de que a casa era a errada
Fui à vizinha e incansavelmente revirei absolutamente tudo
Cavoquei o jardim, tirei o telhado, telha por telha, calha após calha,
quebrei o anão, o cogumelo e a branca de neve
olhei os encanamentos e soprei em cada um deles
Na esperança de encontrar alguma pista

Foi quando vi um livro fechado
Comecei a destacar folha por folha
rasgando uma por uma
a primeira em branco
a segunda em branco
a terceira em branco
todas em branco

Quanto mais eu destacava as páginas
mais folhas o livro tinha
todas em branco...

Esgotado atirei o livro o mais longe que pude
E como um bumerangue
Ele acertou em cheio meu peito
Caí sentado e vi a casa toda arrumada
o jardim arrumado tudo estava intacto no seu lugar

No chão à minha frente, o livro aberto na página 1 e uma caneta
pronta para ser usada...

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

O chope e a rede

Irineu pacífico, depois de longo isolamento resolveu 
aceitar o convite e saiu com os amigos.

Foram a um bar, comer, beber e jogar prosa fora. 
Ao menos pensou assim.
Tardou, e em uma grande mesa todos estavam lá 
inclusive ele, único pontual.

Enquanto pensava na entrada, olhando o menu,
tentando não se assustar com os preços,
foi surpreendido com algumas fotografias 
que os amigos tiravam com o celular.

Ninguém falava, apenas aparelhos nas mãos, olhos fixos na tela,
e um movimento frenético dos dedos, clicando ou teclando algo.

Chamou o garçom, pediu algo para beber,
consultou sobre algumas porções.
Silêncio na mesa, todos concentrados num minúsculo aparelho celular.

Bendita tecnologia que, em segundos, 
todos já estavam todos visíveis e localizados
através de um check-in da turma! "Check-in?!" pensou! 
Isso no meu tempo era feito em aeroporto e ali nem voar iríam!

E as fotos postadas eram seguidas por comentários escritos 
dos próprios participantes da mesa..
"Voce viu o comentário que fiz?" 
Era o máximo que se ouvia ali.
Não era mais fácil comentar de viva voz, entre uma batata e um chope?
Tin-tin, Mark!!

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Rilke 9

Avalie se as grandes tristezas, não atravessaram o seu íntimo;
se, em algum lugar, algum ponto do seu ser 
não se modificou enquanto estava triste.

Só são ruins e perigosas as tristezas que carregamos 
em meio às pessoas para dominá-las; 
como doenças que são tratadas de modo superficial e leviano, 
elas apenas recuam e, após uma pequena pausa, 
irrompem ainda mais terríveis. 

Essas tristezas se acumulam no íntimo 
e constituem uma vida não vivida, 
desdenhada, perdida, de que se pode morrer. 

As tristezas são os instantes 
em que algo de novo penetrou em nós, 
algo desconhecido... 
nossos sentimentos se calam em um acanhamento tímido; 
tudo em nós recua e surge uma quietude
e o novo é encontrado bem ali no meio em silêncio. 

As tristezas são momentos de tensão 
que sentimos como uma paralisia 
porque não ouvimos ecoar a vida 
e os sentimentos se tornaram estranhos para nós; 
isso porque estamos sozinhos com o estranho
que entrou em nossa casa, 
tudo o que era confiável e habitual 
nos foi retirado por um instante 
porque estamos no meio de uma transição 
em um ponto no qual não podemos permanecer. 

Por isso também a tristeza passa, 
o novo em nós, o acréscimo entrou em nosso coração e está no sangue. 
Não percebemos o que houve mas nos transformamos 
como quando chega um hóspede em nossa casa. 
O futuro entra em nós para se transformar 
muito antes de acontecer. 

Por isso é importante estar sozinho e atento quando se está triste 
porque o instante aparentemente parado 
sem nenhum acontecimento 
é o futuro que entra em nós sem percebermos; 
quanto mais tranquilos, pacientes 
e receptivos formos quando estamos tristes,
mais profundo e firme o modo como o novo entra em nós, 
tanto mais fazemos por merecê-lo 
tanto mais se torna nosso destino.

Rilke

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Rilke 8

Penso que há uma identificação entre mim e o texto a seguir:

"Se se ativer à natureza, ao que há de mais simples nela, 
às pequenas coisas que quase não vemos e que, 
de maneira imprevista, podem se tornar grandes e incomensuráveis;
se  tiver esse amor pelo ínfimo e procurar com toda simplicidade 
conquistar como um servidor a confiança do que parece pobre
então tudo se tornará mais fácil, pleno e de algum modo reconciliador, 
talvez não no campo do entendimento, que fica para trás, espantado,
mas em sua consciência mais íntima, no campo da vigília e do saber.

Tens diante de si todo o começo,
 tenha paciência em relação a tudo que não está resolvido em seu coração. 
Tenha amor pelas próprias perguntas, 
como quartos fechados, como livro em língua estrangeira. 
Não investigue agora as respostas que não lhe podem ser dadas,
porque não poderia vivê-las. 
Viva as perguntas e, talvez, sem perceber, passe gradativamente, em um belo dia, a viver as respostas...

Rilke 7

Permita a suas avaliações 
seguir o desenvolvimento próprio,
tranquilo e sem perturbação,
algo que precisa vir de dentro
e não pode ser forçado nem apressado por nada.
Tudo está em deixar amadurecer e então dar à luz...
...está em um ponto inalcançável para o próprio entendimento,
em esperar com profunda humildade e paciência
a hora do nascimento de uma nova clareza...
...em amadurecer como uma árvore
que não apressa sua seiva
e permanece confiante durante as tempestades...

Rilke 6

O destino é como um tecido maravilhoso,
amplo, no qual cada fio é conduzido por dedos
de uma delicadeza infinita,
posto ao lado de outro fio,
ligado à centenas de outros que o sustenta.

Rilke 5

As coisas em geral não são tão fáceis de aprender,
de dizer como normalmente nos querem levar a acreditar;
A maioria dos acontecimentos é indizível,
realiza-se em um espaço
que nunca uma palavra penetrou.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Rilke 4

Não há nada pior para o seu desenvolvimento
do que olhar para fora e esperar
que venha de fora uma resposta
para questões que apenas
seu sentimento íntimo
talvez possa responder
em alguma hora tranquila.

Rilke 3

Uma obra de arte é boa
quando surge de uma necessidade...
Talvez ela revele que o senhor
é chamado a ser um artista.
Aceite sua sorte e a suporte,
com seu peso e sua grandeza,
sem perguntar pela recompensa
que poderia vir de fora.

Rilke 2

Caso o seu cotidiano lhe pareça pobre,
não reclame dele, reclame de si mesmo,
diga para si mesmo que não é poeta o bastante
para evocar suas riquezas;
Pois para o criador não há nenhuma pobreza
e nenhum ambiente pobre, insignificante.
Mesmo em uma prisão,
cujos muros não permitissem
que nenhum ruído do mundo
chegasse a seus ouvidos,
o senhor não teria a sua infância,
essa riqueza preciosa, régia,
esse tesouro das recordações?

Rilke I

Ninguém pode aconselhá-lo e ajudá-lo, ninguém.
Há apenas um meio. Volte-se para si mesmo.
Investigue o motivo que o impele a escrever;
Comprove se ele estende as raízes
Até o ponto mais profundo do seu coração,
Confesse a si mesmo se o senhor morreria
Caso fosse proibido de escrever.