Os sensíveis sofrem mais, mas amam mais e sonham mais.



sexta-feira, 20 de novembro de 2009

São mesmo insondáveis os caminhos do coração, quem pode trilhá-los?

São mesmo insondáveis os caminhos do coração, quem pode trilhá-los?


Era um sábado de muita chuva, mas naquele início de noite não chovia. Pode-se dizer que caíam algumas gotas, porque Gaardner não sentia sua cabeça molhar, mas sentia as gotas baterem-lhe no rosto à medida que caminhava pelas ruas mal iluminadas no bairro onde morava. Carregava consigo um guarda-chuva longo e preto, mas não o abriu, preferiu sentir a sensação que lhe permitia as gotas refrescando seu rosto que demonstrava não um cansaço, mas uma fisionomia de quem se sentia impotente diante de si mesmo, pra não dizer fracassado.
Estava mais observador naquele momento do que em outras vezes, Gaardner gostava de observar as coisas, o tempo, as pessoas, fatos que a toda hora ocorrem à volta da gente e que muitas vezes não percebemos, apenas damos conta quando acontece com a gente; pode observar que, sem precisar olhar para o relógio de fato, se tratava de umas sete horas da noite, , apenas observando as pessoas e as casas por que ia passando ao longo de sua breve caminhada até a vídeo-locadora. Podia ver uma pequena porta de uma casa, um sobrado, mas a parte de cima estava toda escura. Apenas embaixo havia uma luz em uma sala ao fundo da casa que chegava até esta pequena porta. Gaardner parou e observou, sem que pudesse ser notado, que se tratava de uma sala de residência transformada em salão de beleza, pois vira uma mulher sentada diante de um espelho com todos os apetrechos comuns e inerentes à atividade presos ao seu cabelo e uma mulher atrás dela tendo em mãos algo parecido com um secador de cabelo. Com certeza era a última cliente do dia, não havia mais ninguém lá dentro muito menos fora em frente à casa. Também deduziu que a dona do salão era a moradora da parte de cima do sobrado. Mais adiante, passou ao lado de uma caminhoneta furgão que liberava um ar quente vindo da parte da frente onde fica o motor. Como bom mecânico que foi, Gaardner pode observar que o furgão de entregas havia sido bem estacionado ali recentemente depois de trabalhar o dia inteiro, com o motor muito quente, dormiria ali e seu dono provavelmente morava na casa em frente e havia encerrado o longo e exaustivo trabalho do dia. Seguindo seu trajeto, rumo à vídeo-locadora, Gaardner adorava assistir um filme junto de sua esposa e seu cãozinho que se enfiava debaixo do edredon, pode observar também, próximos a uma árvore grande, dessas conhecidas como seringueira urbana, que de tão grande escurecia tudo à sua volta, três rapazes desempacotando algo e dividindo entre si algumas trouxas que Gaardner preferiu não observar em maiores detalhes. Não queria confusão, apenas aproveitara a oportunidade de sair para caminhar um pouco e tentar se livrar desta sua sensibilidade e percepção típicas de artista, Gaardner sabia que não era um artista da dimensão que a mídia dá mas sabia que tinha um artista dentro de si e por ser músico e compositor se julgava artista especial, saiu apenas para curtir sua vida como um professor de férias, muito bem casado, ainda não no papel mas em breve o faria com sua mullher, para ele a mulher e companheira mais fantástica que conhecera na vida, morador há um ano e meio de um bairro residencial, mas próximo à grandes avenidas, que servem como artérias de um trânsito caótico típico de grandes capitais. Seguiu o caminho e pode observar dois senhores conversando numa esquina com uma sacola branca contendo provavelmente pães e salgados para o lanche logo mais tarde. O detalhe é que eles conversavam em japonês, e ele gostou disso porque tinha tudo a ver com o bairro onde ele morava, bairro da Saúde, e isso o trazia a uma situação que ele queria vivenciar, o dia-a-dia de um bairro, fazendo-o esquecer de sua sensibilidade.
Chegando finalmente à vídeo-locadora, o dono da loja reclamou por estar devolvendo o DVD só agora, e disse que o DVD, embora dentro do prazo, teria que ter sido devolvido bem antes, até as cinco horas da tarde. Gaardner, prudentemente pediu para checar o boleto que trazia o horário de devolução, mas não havia nada escrito lá. Contrariado, o dono da loja aceitou as justificativas e cobrou só o valor combinado, mas continuou reclamando que perdeu a chance de alugar o filme para outra cliente. Gaardner não se deixou envolver pela irritação inoportuna do balconista, pediu desculpas e saiu decidido: Se o dono da loja perdeu uma locação, também perdera ali naquele momento um cliente. Mas estava decidido a não se irritar com nada e aproveitou a ajuda da chuva que não molhava, e voltou para sua casa.
Gaardner era do tipo que precisava caminhar, se possível, diariamente. Caminhava com dois objetivos bem definidos: Lembrar-se que existe um mundo à sua volta e que todos nós temos muita coisa em comum quanto à rotina e obrigações, e, segundo, para colocar seus pensamentos em ordem. Seus passos eram ritmados e a cada passo ou batida de seu ritmo interno, Gaardner ordenava pensamento por pensamento, um a um, definia o que, quando e como iria fazer, e o que poderia ter feito mas não fez, isto ele iria arquivar em sua mente para não errar numa próxima vez. É como se ele estivesse conversando consigo mesmo e a cada passo era um cenário diferente, uma frase, uma pergunta ou uma resposta novas. Algumas demoravam longos passos, outras eram resolvidas ali, em um único e certeiro pisar de pés. Para Gaardner a vida era assim, certas respostas teriam que ser perseguidas por um bom tempo até entendê-las e outras em um lance único, se obtinha a resolução. Mas na fase de sua vida, aos 41 anos, segundo casamento, ainda sem filhos, professor de música, Gaardner sentia que as respostas para suas perguntas viriam, mas através de longas caminhadas e a passos lentos. A vida lhe ensinara a controlar sua ansiedade, ao menos um pouco mais em relação às épocas anteriores e às outras fases quando, bem mais jovem, Gaardner respondia aos seus impulsos e queria fazer suas caminhadas sempre em tempo recorde. O resultado era sempre pensamentos desorganizados e respostas confusas, sem compreensão. Agora porém, a vida lhe ensinara, ao menos um pouco, que o tempo define absolutamente tudo em sua vida. Gaardner achava isso muito forte, mas, acreditava ter vivido metade da sua vida e o fator tempo foi o mais preponderante e decisivo em todas as etapas de sua vida. O tempo agia em todas as áreas da vida e do coração, só não agia em um setor dentro de Gaardner, chamado sensibilidade. Ele se perguntava sempre em suas caminhadas: Por que era tão sensível às coisas? Por que, na maioria das vezes ele dava um peso enorme a coisas insignificantes e passava despercebido pelas coisas que lhe eram óbvias? Por que a perspicácia lhe permitia acertar no pré-julgamento que fazia das pessoas que se aproximavam dele e para isso ele não precisava do fator tempo? Mas às vezes ele errava tanto... Esta mesma perspicácia muitas vezes o isolava das pessoas que se afastavam por se verem desnudas diante de sua percepção. E ao mesmo tempo, Gaardner tinha dificuldades em exprimir o que sentia a respeito de qualquer coisa e ele sentia muito, não era capaz de ficar indiferente diante de qualquer notícia ou situação nova. Gaardner tinha uma alma boa e chegou a conclusão de que ansiedade todos temos, alguns aprendem a controlá-la, outros usam remédios...