Os sensíveis sofrem mais, mas amam mais e sonham mais.



sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Pedra e pó

Pedra e pó


Foram dias difíceis para Gaardner. Sua esposa estava com Hepatite de grau mais leve mas sempre preocupante. Esta situação causara a vinda repentina de seus sogros para são Paulo para cuidarem da filha, não que não confiassem em Gaardner, mas era coisa de família, daquelas que só quem é da família pode entender. Gaardner cuidaria bem dela, ele é do tipo cuidadoso, carinhoso, embora corresse nas veias sangue nórdico, havia nele um calor humano típico brasileiro e não a deixaria sozinha ou com alguma necessidade em momento algum. Ele a amava e a ama como nunca. Passado um tempo, num dia destes, ele pegou seu carro e foi caminhar um pouco com seus sogros e sua esposa, afinal, fazia quase um mês que ela estava acamada e não saia para nada, aliás, por ordem médica sequer levantava da cama, eram raras as vezes que se levantava para necessidades básicas e para mexer um pouco o esqueleto. Mas naquela noite resolveram que iriam apenas andar de carro. Gaardner estava muito pensativo e gostava de fazer isto: Sair caminhando de carro ou a pé a observar as pessoas e as coisas do mundo. Passou então por algumas ruas, e foi mostrar para os sogros a nova ponte construída e recém inaugurada, conhecida como ponte estaiada de uma avenida que antes se chamava águas espraiadas e, com a ponte, recebera novo nome em homenagem ao ex-dono da maior emissora de TV do país, cujo escritório em são Paulo fica ao lado desta ponte: Av. Jornalista Roberto Marinho. A ponte realmente é linda e moderna. O concreto e seu poder. Lembrou-se de vários poemas sobre a rocha, sobre o símbolo que representa uma ponte ligando uma coisa a outra, um lugar ao outro, unindo, entrelaçando, aproximando, firme como uma rocha, arquitetonicamente feita para representar firmeza, progresso, união, força, modernidade... Voltaram por esta mesma avenida e no final dela Gaardner pode observar que ela cortava uma favela e as crianças faziam da faixa lateral à direita da avenida, o quintal de seus barracos, podia ver inclusive quem colocasse cadeiras e se sentasse na própria avenida, afastando os veículos em movimento para outras faixas mais à esquerda. Foi quando Gaardner percebeu que um carro passava bem à direita, devagar e quase parou, andando muito devagar mesmo; nisso, saiu um rapaz do barraco, se dirigiu à janela do veículo que se aproximava e entregou ao passageiro um pacote, parecia conter pedras ou algum tipo de droga, ao que o passageiro lhe entregou simultaneamente uma nota, dinheiro, mas não dava pra ver o valor do dinheiro entregue. Rapidamente o carro se foi e o rapaz voltou ao barraco. Que paralelo, pensou Gaardner, estas pedras eram entregues no estilo americano “drive-thru”, bem diferente das pedras que ele pensou quando esteve na outra ponta da avenida numa ponte que lhe inspirava até poesia. Do progresso, ao pior da condição humana, de um lado pedras e rochas, concreto simbolizando o progresso do ser humano, mas de outro, pedras e pó que mostram a potencial degradação do ser humano, entregue em “drive-thru”...