Avalie se as grandes tristezas, não atravessaram o seu íntimo;
se, em algum lugar, algum ponto do seu ser
não se modificou enquanto estava triste.
Só são ruins e perigosas as tristezas que carregamos
em meio às pessoas para dominá-las;
como doenças que são tratadas de modo superficial e leviano,
elas apenas recuam e, após uma pequena pausa,
irrompem ainda mais terríveis.
Essas tristezas se acumulam no íntimo
e constituem uma vida não vivida,
desdenhada, perdida, de que se pode morrer.
As tristezas são os instantes
em que algo de novo penetrou em nós,
algo desconhecido...
nossos sentimentos se calam em um acanhamento tímido;
tudo em nós recua e surge uma quietude
e o novo é encontrado bem ali no meio em silêncio.
As tristezas são momentos de tensão
que sentimos como uma paralisia
porque não ouvimos ecoar a vida
e os sentimentos se tornaram estranhos para nós;
isso porque estamos sozinhos com o estranho
que entrou em nossa casa,
tudo o que era confiável e habitual
nos foi retirado por um instante
porque estamos no meio de uma transição
em um ponto no qual não podemos permanecer.
Por isso também a tristeza passa,
o novo em nós, o acréscimo entrou em nosso coração e está no sangue.
Não percebemos o que houve mas nos transformamos
como quando chega um hóspede em nossa casa.
O futuro entra em nós para se transformar
muito antes de acontecer.
Por isso é importante estar sozinho e atento quando se está triste
porque o instante aparentemente parado
sem nenhum acontecimento
é o futuro que entra em nós sem percebermos;
quanto mais tranquilos, pacientes
e receptivos formos quando estamos tristes,
mais profundo e firme o modo como o novo entra em nós,
tanto mais fazemos por merecê-lo
tanto mais se torna nosso destino.
Rilke